terça-feira, 13 de setembro de 2011

Salieri ou uma ode à superficialidade

“Amadeus”, que estreou no TeatroNacional D. Maria II é a peça da rentrée. É dela que se fala há já alguns meses, relegando para segundo plano qualquer outra peça da saison teatral. Antes ainda de ter estreado criou um “diz que disse” à sua volta. Quando anunciada tinha Miguel Moreira no papel de Mozart, quando estreia tem afinal Ivo Canelas a interpretar o génio musical. Pequeno fait-divers que alimenta os “mexericos da Corte”. Para além de (quelle surprise) Ivo Canelas, o elenco reúne uma pequena constelação de actores: Carla Chambel, João Lagarto, Martinho Silva, José Neves, Luís Lucas, Manuel Coelho, Rogério Vieira e claro, o próprio Director do Teatro Nacional, Diogo Infante, no papel de Salieri. Às estrelas do elenco junta-se um encenador inglês, Tim Carrol (que já encenara A Tempestade de Willian Shakespeare em Portugal, mais precisamente no Teatro São Luiz), uma dupla de designers de moda para os figurinos, os Storytailors, o cenário de J. Ribeiro e o desenho de luz de Daniel Worm D’Assumpção. A peça de Peter Shaffer ganhou em 1981 o Tony Award para melhor peça e em 1984 a adaptação cinematográfica ganhou o Óscar de melhor filme. Tudo estava reunido para que este remake nacional de “Amadeus” fosse um acontecimento.

E é!

Mais ou menos…

“Amadeus” é uma ode à inveja, à vingança e à superficialidade. Sallieri, cego pelo talento e fama de Mozart, planeia vingar-se. Não de Mozart, mas de Deus! Salieri renega aquele a quem procurou servir através da sua música e utiliza Mozart como objecto para atingir o seu fim. Destruir Mozart serviria para dar uma lição a Deus.

O primeiro “incómodo” que se me levanta nesta produção é a tradução de Maria João da Rocha Afonso, por vezes demasiado literal, carecendo de uma adaptação para uma linguagem menos corriqueira. Expressões que em inglês funcionam e que denotam um certo humor, em português tornam-se facilmente revisteiras (na má acepção da palavra).

Depois a encenação… quase inexistente. Percebo que se queira dar todo o spotlight aos actores e nomeadamente a D. Infante, mas uma encenação não vive de entradas e saídas de cena e vira ora para a direita, ora para a esquerda e depois diz o texto. Bem, mas na verdade, quando Tim Carroll resolve ser criativo surge talvez o pior momento do espectáculo – a imagem de Salieri (D. Infante) irado contra Deus, de joelhos em frente a um pormenor d’ “A Criação de Adão” de Michelangelo é de arrepiar, de tão atroz que é. Por momentos, lembrei-me do falhanço total que foi a encenação de Tim Carrol de “A Tempestade” no Teatro São Luiz em 2004 (se a memória não me falha) e perguntei-me o que terá levado o Director Artístico do Teatro Nacional a convidar este senhor.

Os figurinos também deixam algo a desejar… se à primeira vista nos deixamos conquistar pelas criações da dupla Storytailors, aos poucos vamo-nos apercebendo que são uma mera tentativa de recriação da roupa da época e que os figurinos masculinos são todos iguais… mudam os tecidos e pequenas aplicações, mas o corte é o mesmo. Pobres ou ricos, o corte é o mesmo e os sapatos são iguais para todos. Interessante, sem ser genial, o figurino de Carla Chambel / Constanze. Escandalosa é a cópia da capa, chapéu e máscara que Salieri usa no final para atormentar Mozart: iguais ao filme de Milos Forman.

Salve-nos na equipa criativa o cenário de F. Ribeiro. O momento alto do espectáculo dá-se quando na apresentação da ópera encomendada pelo Imperador a Mozart se desvenda em palco, uma recriação da Sala Garret.

O desenho de luz de Daniel Worm D’Assumpção é eficaz, procurando num ou noutro momento adensar um momento dramático (sem grande êxito, mas por razões que lhe são alheias).

Finalmente o elenco… No cômputo geral é incomodativo o estilo afectado com que o elenco masculino se manifesta em cena. Sei que é um clichet e que é assim que são normalmente representados, mas a determinada altura parece exagerado…

Diogo Infante é Salieri na velhice e na juventude. A metamorfose de idades feita sem sair de cena é dos momentos mais interessantes do espectáculo. Sem grandes artifícios, D. Infante muda de timbre de voz, de postura, de figurino e peruca. Tudo muito rápido e eficaz. A voz de D. Infante impõe-se em todo o espectáculo pois é Salieri quem nos relata os acontecimentos. Mas a personagem acaba por ser pouco mais do que isso, uma voz. Uma voz bonita e bem colocada, mas desprovida de emoções…

Ivo Canelas compõe um Wolgang Amadeus Mozart infantil, palerma, frágil e naïf. Talvez um pouco irritante, mas que expressa de forma clara o espírito livre e genial da personagem.

No elenco há que destacar ainda, pela positiva, João Lagarto, um delicioso Imperador Joseph II (com a medida certa de “afectado”) e os Venticelli – José Neves e Martinho Silva.

Talvez as minhas expectativas fossem demasiado altas. Na verdade, o espectáculo vê-se bem, são quase duas horas e meia e não se dá pelo tempo a passar. É um bom momento de entretenimento. Mas um fraco momento criativo. Este “Amadeus” acabou por ser apenas uma ode… à superficialidade.

De 0 a 10 é um simpático 6.
Fotografia Pedro Macedo

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