E é!
Mais ou menos…
“Amadeus” é uma ode à inveja, à
vingança e à superficialidade. Sallieri, cego pelo talento e fama de Mozart,
planeia vingar-se. Não de Mozart, mas de Deus! Salieri renega aquele a quem
procurou servir através da sua música e utiliza Mozart como objecto para atingir
o seu fim. Destruir Mozart serviria para dar uma lição a Deus.
O primeiro “incómodo” que se me
levanta nesta produção é a tradução de Maria João da Rocha Afonso, por vezes
demasiado literal, carecendo de uma adaptação para uma linguagem menos corriqueira.
Expressões que em inglês funcionam e que denotam um certo humor, em português
tornam-se facilmente revisteiras (na má acepção da palavra).
Depois a encenação… quase
inexistente. Percebo que se queira dar todo o spotlight aos actores e nomeadamente a D. Infante, mas uma encenação
não vive de entradas e saídas de cena e vira ora para a direita, ora para a
esquerda e depois diz o texto. Bem, mas na verdade, quando Tim Carroll resolve
ser criativo surge talvez o pior momento do espectáculo – a imagem de Salieri
(D. Infante) irado contra Deus, de joelhos em frente a um pormenor d’ “A Criação
de Adão” de Michelangelo é de arrepiar, de tão atroz que é. Por momentos,
lembrei-me do falhanço total que foi a encenação de Tim Carrol de “A Tempestade”
no Teatro São Luiz em 2004 (se a memória não me falha) e perguntei-me o que terá
levado o Director Artístico do Teatro Nacional a convidar este senhor.
Os figurinos também deixam algo a
desejar… se à primeira vista nos deixamos conquistar pelas criações da dupla
Storytailors, aos poucos vamo-nos apercebendo que são uma mera tentativa de
recriação da roupa da época e que os figurinos masculinos são todos iguais…
mudam os tecidos e pequenas aplicações, mas o corte é o mesmo. Pobres ou ricos,
o corte é o mesmo e os sapatos são iguais para todos. Interessante, sem ser
genial, o figurino de Carla Chambel / Constanze. Escandalosa é a cópia da capa,
chapéu e máscara que Salieri usa no final para atormentar Mozart: iguais ao
filme de Milos Forman.
Salve-nos na equipa criativa o
cenário de F. Ribeiro. O momento alto do espectáculo dá-se quando na
apresentação da ópera encomendada pelo Imperador a Mozart se desvenda em palco,
uma recriação da Sala Garret.
O desenho de luz de Daniel Worm D’Assumpção
é eficaz, procurando num ou noutro momento adensar um momento dramático (sem
grande êxito, mas por razões que lhe são alheias).
Finalmente o elenco… No cômputo geral
é incomodativo o estilo afectado com que o elenco masculino se manifesta em cena. Sei que é um clichet e que é assim que são
normalmente representados, mas a determinada altura parece exagerado…
Diogo Infante é Salieri na
velhice e na juventude. A metamorfose de idades feita sem sair de cena é dos
momentos mais interessantes do espectáculo. Sem grandes artifícios, D. Infante
muda de timbre de voz, de postura, de figurino e peruca. Tudo muito rápido e
eficaz. A voz de D. Infante impõe-se em todo o espectáculo pois é Salieri quem
nos relata os acontecimentos. Mas a personagem acaba por ser pouco mais do que
isso, uma voz. Uma voz bonita e bem colocada, mas desprovida de emoções…
Ivo Canelas compõe um Wolgang
Amadeus Mozart infantil, palerma, frágil e naïf.
Talvez um pouco irritante, mas que expressa de forma clara o espírito livre e
genial da personagem.
No elenco há que destacar ainda, pela positiva,
João Lagarto, um delicioso Imperador Joseph II (com a medida certa de “afectado”)
e os Venticelli – José Neves e Martinho Silva.
Talvez as minhas expectativas
fossem demasiado altas. Na verdade, o espectáculo vê-se bem, são quase duas
horas e meia e não se dá pelo tempo a passar. É um bom momento de
entretenimento. Mas um fraco momento criativo. Este “Amadeus” acabou por ser
apenas uma ode… à superficialidade.
De 0 a 10 é um simpático 6.
Fotografia Pedro Macedo
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