terça-feira, 27 de setembro de 2011

Petra Von Kant e o T0 na Brandoa

Ao entrarmos na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II deparamo-nos com um bloco de madeira em cena. Percebemos que é articulado, que dali irá surgir o cenário. Ficamos curiosos… aos poucos Marlène | Diana Costa e Silva, assistente de Petra Von Kant | Custódia Gallego, vai desmontando o puzzle que é aquele bloco de madeira. Surge uma cama, um estirador, um armário, uma mesa, um banco… e o cenário fica com ar de T0, de uma habitação social algures para os lados da Brandoa, feio e acanhado. As actrizes tropeçam, dão encontrões nos adereços, limitam-se a um espaço mínimo de representação. Poderia funcionar para criar alguma tensão dramática mas…O cenário de Luísa Bebiano em nada retrata o ambiente de alta sociedade em que Petra Von Kant se movimenta (ou deveria movimentar). A originalidade e surpresa inicial do desmembramento do cenário perdem-se a partir do momento em que deixa de servir o espectáculo e passa verdadeiramente a toldá-lo. Na verdade, toda a componente plástica do espectáculo é má. Os figurinos de José António Tenente, em cetins, lantejoulas e transparências, são de um mau gosto indescritível e nada ajudam a elevar o nível social em que as personagens se movimentam (ou, repito, deveriam movimentar-se). As perucas também não ajudam… Passamos da Brandoa para a Damaia. Ninguém acredita que o confronto entre Petra e Karin | Inês Castel-Branco possa também passar por um conflito de classes, uma metáfora para um debate entre a velha e nova Alemanha.
A encenação de António Ferreira nada acrescenta a este texto. Na verdade não teria de o fazer, se se tivesse dedicado a uma boa direcção de actores. Às vezes, bons textos pedem apenas isso, que sejam bem dirigidos e bem interpretados. Sem subterfúgios. Mas ao ver este trabalho duvidamos que o tenha feito. E duvidamos que tenha percebido a peça. Nada na sua encenação é original, limitando-se a organizar entradas e saídas de cena. É penoso ver como as actrizes lutam com o cenário e o encenador a isso as submete. Justiça seja feita a Diana Costa e Silva cuja personagem sombria se movimenta silenciosamente em redor daquele espaço (se calhar teve a sorte de não ter de pular sobre a cama ou entrar para a zona da kitchenet).

E no meio deste desastre queremos que as actrizes salvem o espectáculo. Mas também não o fazem. C. Gallego não nos transmite a classe, a frieza, a arrogância e o drama que a personagem requer, mais preocupada em encontrar a piada e o gag fácil (aliás a sua personagem é digna de qualquer bêbeda numa tasca de Alfama). Inês Castel-Branco passa quase despercebida, nem fascinada pela figura de Petra, nem oportunista, nem anarca. Apenas desfila pelo palco. Sidónia | Paula Mora, amiga de Petra também não ajuda a compor o ramalhete. Os figurinos que a enchouriçam em cetins brilhantes transformam a sua personagem numa mulher vulgar (quase que sentimos, na cena em que apresenta Karin a Petra, que se trata da dona de um bordel a apresentar uma menina a uma cliente). Cláudia Carvalho | Gabriela Von Kant, filha de Petra, apresenta-se num figurino (uma vez mais o figurino!) tão pouco credível para uma filha adolescente, que qualquer esforço de representação que possa fazer é inválido. Restam Diana Costa e Silva, que compõe uma Marlene tensa, masoquista, subserviente, credível e até memorável e Isabel Ruth | Valéria Von Kant, mãe de Petra, cujo porte aristocrático nos transporta finalmente para um ambiente de alta sociedade, arrogante e preconceituoso que esperámos encontrar desde o início da peça (ainda que as botas e lenço leopardo me tenham arrepiado).

É francamente um mau espectáculo. E tendo em conta toda a polémica que rodeou este espectáculo e as trocas de palavras entre um suposto encenador afastado do projecto e o Director do Teatro Nacional, esperávamos encontrar um espectáculo brilhante, que fosse uma chapada de luva branca a todos os que se manifestaram contra a substituição. Mas o Director perdeu ao defender um encenador que transformou uma peça magnífica num momento de teatro constrangedor. Não sei se a outra versão seria melhor. Mas esta, sabemos que é má!

De 0 a 10 é um 2 (1 ponto para a Diana Costa e Silva e outro ponto para a Isabel Ruth).
Publicado na Rua de Baixo.


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