segunda-feira, 16 de julho de 2012

A véspera do dia final


Yael Ronen encenou esta produção da companhia Schaubüne, com actores alemães, palestinianos e israelistas, questionando o significado da fé e da religião como formas legítimas de identificação étnica. Ser de origem árabe, nascida na Alemanha, faz de mim muçulmana, questionava uma das personagens.

Com um sentido de humor muito certeiro, a encenadora coloca as personagens numa situação caricata quando estas descobrem que são mera ficção e que as palavras que brotam das suas bocas estão já traduzidas para português. Sente-se uma tensão entre as personagens para uma certa inevitabilidade, para o que acontece em cena e no mundo, nomeadamente para a morte de uma das personagens caso diga determinada frase… Obviamente a personagem, recusa-se. As novas tecnologias e o uso desmesurado que delas fazemos (a internet e a rápida propagação de notícias e boatos), também são habilmente atacadas. Muito interessante o momento em que os pais das personagens apareciam em cena através de uma webcam, questionando filhos e filhas se continuavam a fazer a peça com judeus, alemães, muçulmanos, protagonizando um claro momento de conflito de gerações sobre estas questões.

As 3 grandes religiões monoteístas estão constantemente na mira das várias personagens, com alguns comentários muitas vezes desconfortáveis. Mas o interessante é que durante quase duas horas a encenadora não toma uma posição. E isso é de louvar, porque difícil de conseguir enquanto seres humanos. Todas as verdades, dos cristãos, judeus ou muçulmanos são válidas. E ser-se ateu? Será uma experiência tão intensa como pertencer-se a uma religião? Não será uma verdade tão válida quanto as outras?

Aos poucos percebemos que há uma quarta força que se impôs no século XX e que galopa para os lugares cimeiros do século XXI. A economia, sobrepondo-se a tudo e todos. Ou será que não? Será que é apenas mais uma “religião”?

É um espectáculo inteligente, urgente, com muito sentido de humor, que nos deixa com um sorriso à saída da sala, mas que se mantém como assunto durante alguns dias.

A peça esteve em cena no Teatro D. Maria II, integrada no Festival de Almada.

De 0 a 10, nota 8.
Publicado na Rua de Baixo.


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