Yael Ronen encenou esta produção da companhia
Schaubüne, com actores alemães, palestinianos e israelistas, questionando o
significado da fé e da religião como formas legítimas de identificação étnica. Ser
de origem árabe, nascida na Alemanha, faz de mim muçulmana, questionava uma das
personagens.
Com um sentido de humor muito certeiro, a
encenadora coloca as personagens numa situação caricata quando estas descobrem
que são mera ficção e que as palavras que brotam das suas bocas estão já
traduzidas para português. Sente-se uma tensão entre as personagens para uma
certa inevitabilidade, para o que acontece em cena e no mundo, nomeadamente
para a morte de uma das personagens caso diga determinada frase… Obviamente a
personagem, recusa-se. As novas tecnologias e o uso desmesurado que delas
fazemos (a internet e a rápida propagação de notícias e boatos), também são
habilmente atacadas. Muito interessante o momento em que os pais das
personagens apareciam em cena através de uma webcam, questionando filhos e
filhas se continuavam a fazer a peça com judeus, alemães, muçulmanos, protagonizando
um claro momento de conflito de gerações sobre estas questões.
As 3 grandes religiões monoteístas estão
constantemente na mira das várias personagens, com alguns comentários muitas
vezes desconfortáveis. Mas o interessante é que durante quase duas horas a
encenadora não toma uma posição. E isso é de louvar, porque difícil de
conseguir enquanto seres humanos. Todas as verdades, dos cristãos, judeus ou
muçulmanos são válidas. E ser-se ateu? Será uma experiência tão intensa como
pertencer-se a uma religião? Não será uma verdade tão válida quanto as outras?
Aos poucos percebemos que há uma quarta força que
se impôs no século XX e que galopa para os lugares cimeiros do século XXI. A
economia, sobrepondo-se a tudo e todos. Ou será que não? Será que é apenas mais
uma “religião”?
É um espectáculo inteligente, urgente, com muito
sentido de humor, que nos deixa com um sorriso à saída da sala, mas que se mantém
como assunto durante alguns dias.
A peça esteve em cena no Teatro D. Maria II,
integrada no Festival de Almada.
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