sexta-feira, 29 de julho de 2011

Liberdade? Igualdade? Fraternidade?

Sempre que nos dirigimos à Casa Conveniente é certo que vamos viver uma experiência teatral única. Mónica Calle é uma das mais interessantes e inovadoras criadoras nacionais. Desde “A virgem doida” (se a memória não me falha em 1992), somos surpreendidos, provocados, estimulados. Se há alguém a quem o rótulo da experimentação se possa colar sem problemas (e com selo acrescido de qualidade) esse alguém é Mónica Calle.

E “Recordações de uma Revolução” a partir de “A Missão – Memórias de uma revolução” de Heiner Müller é um verdadeiro exemplo do talento de M. Calle. 

Em cena juntam-se à encenadora Mário Fernandes e René Vidal, para distribuírem entre si os papéis de Debuísson, Galloudec e Sasportas, três emissários da Convenção Francesa responsáveis por organizar uma revolta de escravos na Jamaica contra a soberania da coroa britânica em nome dos valores da nova República de França. 

Os três intérpretes dão corpo a uma história de opressão e traição, que poderia ser a nossa história, portuguesa, recente, sangrada em território africano. Ou a história dos dois intérpretes masculinos que até há pouco tempo viviam num estabelecimento prisional. Mas M. Calle não se fecha na portugalidade nem na particularidade. Afinal, opressão e traição são pertença universal.

R.Vidal é (como M. Calle) um actor muito intenso e físico. Por momentos, na penumbra do pequeno espaço da Casa Conveniente o seu olhar trespassa-nos. Sentimos que nos analisa, que procura saber qual de nós também o irá trair. Por contraponto, M. Fernandes é fechado sobre sim mesmo, impondo-se no espaço deforma serena e discreta. Mas também ele nos olha, também ele nos analisa. E Calle (e a sua magnífica voz) enchem a cena sempre que necessário e desaparece num ápice, oferecendo o protagonismo aos outros intérpretes.

Plasticamente é sem dúvida nenhuma um dos mais bonitos espectáculos que vi na Casa Conveniente. Algumas caixas, duas paredes compostas por ventoinhas, baldes, terra, água e um desenho de luz inteligente são suficientes para criar espaços, ambientes e ilusões, de forma assaz discreta para não tirar lugar de destaque ao texto.

Uma última nota para a participação de Amândio Pinheiro que no quase no final do espectáculo nos brinda com pequeno (mas vibrante) monólogo.

O espectáculo começa com um abraço. E é assim que o espectador se sente ao sair desta peça. Abraçado pelo teatro de Mónica Calle.

De 0 a 10, é um aplaudido 9.
Publicado na Rua de Baixo.

fotografia Bruno Simão

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