Com
As três vidas de Lucie Cabrol (2010),
Europa (2011) e Tróia (2011) a companhia procurou reflectir sobre a existência e a relação
entre o mundo rural e o mundo urbano, o confronto entre estas duas realidades e
o desaparecimento de uma por consequência da outra, talvez, como o encenador
das três peças, Pedro Alves, diz na folha de sala da peça, referindo-se à
trilogia “(…) um percurso
extraordinariamente rico e simples (nada simplista) daquilo que pode ser tido
como uma História do século XX europeu (…)”.
Em
Europa, é o sonho que fala mais alto,
o sonho da modernização, a ilusão da urbe. Esse sonho, essa ilusão é
representada por uma mulher bonita que veio da cidade e que acaba por ser o
objecto de desejo e da tragédia de Boris (o protagonista desta história). Actores
e figurantes, reunidos à volta de uma mesa celebram o Dia dos Mortos, contam
histórias, vivem histórias. A encenação de Pedro Alves é contida mas muito
certeira, fruto de um trabalho de dramaturgia que o próprio encenador terá
levado a cabo (a tradução do romance Once
in Europe e adaptação para teatro é da sua autoria). O cenário de Pedro
Silva é a segunda pérola deste espectáculo. Extremamente simples, o cenário mais
do que ilustrativo é denunciador de um espaço, de um estado de espírito. Merecia
um desenho de luz mais eficaz (da autoria de Carlos Arroja) que aproveitasse e
fizesse sobressair o cenário e a encenação. Uma direcção de actores e
interpretações mais cuidadas teriam ajudado a acompanhar um texto que salta
entre o discurso na primeira pessoa, a narração e o diálogo. A presença da música
no espectáculo acaba por ser um fait
divers que pouco acrescenta.
Tróia é o resultado da adaptação de Lilac
and Flag. A tradução e a adaptação são novamente da autoria do encenador, o
que uma vez mais vem reforçar um trabalho de dramaturgia que se conflui com a
própria encenação, oferecendo ao espectador uma leitura intensa e inteligente
do espectáculo. Em Tróia o rural vê-se engolido pela urbe (por Tróia, essa
cidade mítica, ou por Lisboa, Nova Iorque, Paris, Londres, Pequim), perdido,
explorado, ansiando pelo regresso a uma realidade distante à qual provavelmente
nunca conseguirá voltar. Procurando sobreviver numa existência que não é a sua,
que não foi construída para eles, uma realidade que lhes escapa, Zsuzsa e Sucus
entregam-se um ao outro, amam-se, destroem-se, reconstroem-se. Notável o
trabalho do encenador Pedro Silva que polvilha o espaço com torres de
(aparente) metal e vidro, frias, de uma estética impessoal, quase higiénica,
que serve a encenação, complementando-a e enriquecendo-a sem se sobrepor. O
desenho de luz, também de Carlos Arroja, é mais interessante que em Europa, salientando-se sobretudo na
segunda parte do espectáculo. Os actores, Samuel Alves, Ana Gil e Mário Trigo são
competentes na proposta que lhes é feita pelo encenador (com maior aplauso aos
dois primeiros, com momentos muito bons na relação entre os dois – são eles
Sucus e Zsuzsa respectivamente), saltando de registos de discurso directo,
narrativo e diálogo. Um trabalho mais centrado na direcção de actores (mais na
interpretação e menos na fisicalidade) poderia ter ajudado ao melhor acompanhamento
do texto pelos espectadores. Uma nota menos positiva, diria mesmo, negativa
para os figurinos. Se já em Europa se
notava uma falta de cuidado nesta matéria, acabava por não ser um elemento perturbador,
apenas não era relevante (embora de fraco sentido estético). Em Tróia, o figurino “de trazer por casa”
impõe-se de uma forma negativa… demasiado forte para ser neutro, mas pouco
trabalhado para que nos queira dizer algo… e enquanto procuramos significados
de uma t-shirt ou de umas calças perdemos o fio à meada de um texto pouco fácil.
Europa
– de 0 a
10, nota 6.
Tróia
– de teatromosca - de 0 a 10, nota 8.
Publicado na Rua de Baixo.
fotografia Pedro Almeida