À semelhança do que aconteceu no ano passado, a Tarumba desafiou três criadores a apresentarem novas produções no festival FIMFA e dois meses depois, face ao êxito alcançado no festival, voltam a ser apresentadas.
Assim, dirigi-me ao CAMA – Centro de Artes da Marioneta, esperando uma deambulação por várias salas para ver os três espectáculos. E as minhas expectativas não foram goradas.
Quando chego, percebo que alguns espectadores já assistiram a uma das peças (daí acima mencionar que a ordem de apresentação não segue obrigatoriamente a ordem pela qual eu assisti aos espectáculos), o que me deixou intrigado.
Comecei a noite com “Rio, rio, rio…” de Luís Hipólito um vertiginoso delírio à volta da diva brasileira, Carmen Miranda. É um rapaz em pijama que nos recebe, de pulseiras berrantes, douradas, ao som de uma música que não reconhecemos logo... tem um ar alucinado, que aos poucos se transforma num sorriso. Estaremos num sonho? Afinal, o que acontece quando as luzes da ribalta se apagam? Simples, as frutas, brilhos, plumas e objectos dos famosos turbantes da actriz/cantora ganham vida. Assistimos a um delicioso strip de uma banana, a um tomate que concorre ao lugar de maçã num filme sobre Adão e Eva, ao espectáculo de um pássaro num "circo ridículo". E tanto faz se as referências à banana de Wharol ou à Apple estão descontextualizadas temporalmente... é um sonho, um delírio e arranca-nos um sorriso.
A viagem segue e com meia dúzia de objectos como flores com molas, brincos de plástico e colares o rapaz de pijama transforma-se numa calorosa e feliz Carmen Miranda vestida de baiana. E quase no final, uma simples manipulação de um vestido dourado pendurado num cabide transporta-nos para uma bonita coreografia em que facilmente imaginamos a bela Carmen (sem dúvida o mais simples e bem conseguido momento do espectáculo. Bravo!).
Luís Hipólito opta por uma presença muito marcada no espectáculo e é da sua relação com os objectos que o espectáculo é apresentado.
Saímos da sala e dois espectadores são convidados a atravessar a rua. Eu fui um dos visados. Fiquei curioso. E enquanto os outros espectadores são presenteados com pipocas, eu fui assistir a "Divas' Haiku". Entramos numa biblioteca escura e a um ritmo alucinante, vão aparecendo nas prateleiras imagens de divas dos anos dourados do cinema americano e objectos que facilmente relacionamos com a diva em questão, delicadamente iluminados por pequenos projectores. E se algumas referências / objectos são mais fáceis de perceber (o vestido branco de Marilyn Monroe em “O pecado mora ao lado” ou a cartola de Marlene Dietrich) outras serão menos óbvias mas igualmente deliciosas (as luvas negras de Rita Hayworth em “Gilda”, os diamantes de Elizabeth Taylor ou um colar de pérolas no qual um carro se despenha em homenagem a Grace Kelly). Ainda uma nota muito positiva ao vídeo que acompanha toda a apresentação de pouco mais de três minutos (talvez o espectáculo mais pequeno a que já assisti).
Joaquim René opta por uma presença discreta, sem relevância para o enredo, limitando-se a ser o lampionista do espectáculo.
No final ficamos com uma verdadeira constelação de Divas a iluminar-nos a noite.
Saímos de sorriso no rosto e voltamos a encaminhar-nos para a primeira sala (verdade seja dita que ainda tivemos tempo de comer umas pipocas enquanto outros dois espectadores foram ver o pequeno espectáculo de J. René. Os que ficaram à espera trocaram olhares cúmplices.).
Regressamos à primeira sala, ligeiramente modificada. É a vez de “Teatro Noir” de André Murraças. É um verdadeiro teatro de papel, feito de cartolina preta que nos recebe (com telões de papel, cenários de papel, personagens de papel). Em traços largos, é uma história de amor, traição e morte com toque de film noir. A mulher fatal, o suspense, a história policial, os crimes, as perseguições, o preto e branco (com um ou outro toque de vermelho), os becos, o fumo, a traição. Está lá tudo. Em papel.
A femme fatale é aqui a personificação de várias mulheres, uma colagem interessante de olhos, bocas, narizes, cabelos de várias actrizes de Hollywood.
Sendo todo o espectáculo deveras interessante, alguns momentos estão especialmente conseguidos: o casal de protagonistas em silhueta numa janela em diferentes perspectivas e distâncias, realizado com uma sucessiva introdução de telões e cenários; o alucinante percurso de carro apresentado em sombra com um magnífico efeito de visualização da estrada; a cena final da cantora de cabaret; o encontro dos protagonistas num beco sob a luz de candeeiros de rua.
André Murraças opta por não estar visível, apenas se vê a mão que vai introduzindo objectos, cenários ou que vai fazendo subir e descer os vários telões.
E pouco importa se por vezes os cenários e os telões parecem um pouco toscos. Não causam qualquer distúrbio à magia deste espectáculo.
E acaba assim esta noite de cinema… ou de teatro de objectos e papel. Enquanto vamos para casa, vamos trauteando a banda sonora destas três peças (aliás, parabéns aos três pelas excelentes escolhas musicais) e vamos relembrando filmes que víamos nas matines televisivas de domingo.