sexta-feira, 27 de julho de 2012

Curtas de objectos e papel

Sob o título Noites Especiais de Pequenas Formas a Tarumba apresenta três espectáculos de teatro de objectos e papel, sob a égide do cinema: “Rio, rio, rio…”, “Divas’ Haiku” e “Teatro Noir” (não necessariamente por esta ordem).

À semelhança do que aconteceu no ano passado, a Tarumba desafiou três criadores a apresentarem novas produções no festival FIMFA e dois meses depois, face ao êxito alcançado no festival, voltam a ser apresentadas.

Assim, dirigi-me ao CAMA – Centro de Artes da Marioneta, esperando uma deambulação por várias salas para ver os três espectáculos. E as minhas expectativas não foram goradas.

Quando chego, percebo que alguns espectadores já assistiram a uma das peças (daí acima mencionar que a ordem de apresentação não segue obrigatoriamente a ordem pela qual eu assisti aos espectáculos), o que me deixou intrigado.

Comecei a noite com “Rio, rio, rio…” de Luís Hipólito um vertiginoso delírio à volta da diva brasileira, Carmen Miranda. É um rapaz em pijama que nos recebe, de pulseiras berrantes, douradas, ao som de uma música que não reconhecemos logo... tem um ar alucinado, que aos poucos se transforma num sorriso. Estaremos num sonho? Afinal, o que acontece quando as luzes da ribalta se apagam? Simples, as frutas, brilhos, plumas e objectos dos famosos turbantes da actriz/cantora ganham vida. Assistimos a um delicioso strip de uma banana, a um tomate que concorre ao lugar de maçã num filme sobre Adão e Eva, ao espectáculo de um pássaro num "circo ridículo". E tanto faz se as referências à banana de Wharol ou à Apple estão descontextualizadas temporalmente... é um sonho, um delírio e arranca-nos um sorriso.
A viagem segue e com meia dúzia de objectos como flores com molas, brincos de plástico e colares o rapaz de pijama transforma-se numa calorosa e feliz Carmen Miranda vestida de baiana. E quase no final, uma simples manipulação de um vestido dourado pendurado num cabide transporta-nos para uma bonita coreografia em que facilmente imaginamos a bela Carmen (sem dúvida o mais simples e bem conseguido momento do espectáculo. Bravo!).
Luís Hipólito opta por uma presença muito marcada no espectáculo e é da sua relação com os objectos que o espectáculo é apresentado.

Saímos da sala e dois espectadores são convidados a atravessar a rua. Eu fui um dos visados. Fiquei curioso. E enquanto os outros espectadores são presenteados com pipocas, eu fui assistir a "Divas' Haiku". Entramos numa biblioteca escura e a um ritmo alucinante, vão aparecendo nas prateleiras imagens de divas dos anos dourados do cinema americano e objectos que facilmente relacionamos com a diva em questão, delicadamente iluminados por pequenos projectores. E se algumas referências / objectos são mais fáceis de perceber (o vestido branco de Marilyn Monroe em “O pecado mora ao lado” ou a cartola de Marlene Dietrich) outras serão menos óbvias mas igualmente deliciosas (as luvas negras de Rita Hayworth em “Gilda”, os diamantes de Elizabeth Taylor ou um colar de pérolas no qual um carro se despenha em homenagem a Grace Kelly). Ainda uma nota muito positiva ao vídeo que acompanha toda a apresentação de pouco mais de três minutos (talvez o espectáculo mais pequeno a que já assisti).
Joaquim René opta por uma presença discreta, sem relevância para o enredo, limitando-se a ser o lampionista do espectáculo.
No final ficamos com uma verdadeira constelação de Divas a iluminar-nos a noite.

Saímos de sorriso no rosto e voltamos a encaminhar-nos para a primeira sala (verdade seja dita que ainda tivemos tempo de comer umas pipocas enquanto outros dois espectadores foram ver o pequeno espectáculo de J. René. Os que ficaram à espera trocaram olhares cúmplices.).

Regressamos à primeira sala, ligeiramente modificada. É a vez de “Teatro Noir” de André Murraças. É um verdadeiro teatro de papel, feito de cartolina preta que nos recebe (com telões de papel, cenários de papel, personagens de papel). Em traços largos, é uma história de amor, traição e morte com toque de film noir. A mulher fatal, o suspense, a história policial, os crimes, as perseguições, o preto e branco (com um ou outro toque de vermelho), os becos, o fumo, a traição. Está lá tudo. Em papel.
femme fatale é aqui a personificação de várias mulheres, uma colagem interessante de olhos, bocas, narizes, cabelos de várias actrizes de Hollywood.
Sendo todo o espectáculo deveras interessante, alguns momentos estão especialmente conseguidos: o casal de protagonistas em silhueta numa janela em diferentes perspectivas e distâncias, realizado com uma sucessiva introdução de telões e cenários; o alucinante percurso de carro apresentado em sombra com um magnífico efeito de visualização da estrada; a cena final da cantora de cabaret; o encontro dos protagonistas num beco sob a luz de candeeiros de rua.
André Murraças opta por não estar visível, apenas se vê a mão que vai introduzindo objectos, cenários ou que vai fazendo subir e descer os vários telões.
E pouco importa se por vezes os cenários e os telões parecem um pouco toscos. Não causam qualquer distúrbio à magia deste espectáculo.

E acaba assim esta noite de cinema… ou de teatro de objectos e papel. Enquanto vamos para casa, vamos trauteando a banda sonora destas três peças (aliás, parabéns aos três pelas excelentes escolhas musicais) e vamos relembrando filmes que víamos nas matines televisivas de domingo.


De 0 a 10, nota 8.
Publicado na Rua de Baixo.

 Rio, rio, rio... © Cesc Martínez

 Divas' Haiku © Alípio Padilha

Teatro Noir © Cesc Martínez

segunda-feira, 16 de julho de 2012

A véspera do dia final


Yael Ronen encenou esta produção da companhia Schaubüne, com actores alemães, palestinianos e israelistas, questionando o significado da fé e da religião como formas legítimas de identificação étnica. Ser de origem árabe, nascida na Alemanha, faz de mim muçulmana, questionava uma das personagens.

Com um sentido de humor muito certeiro, a encenadora coloca as personagens numa situação caricata quando estas descobrem que são mera ficção e que as palavras que brotam das suas bocas estão já traduzidas para português. Sente-se uma tensão entre as personagens para uma certa inevitabilidade, para o que acontece em cena e no mundo, nomeadamente para a morte de uma das personagens caso diga determinada frase… Obviamente a personagem, recusa-se. As novas tecnologias e o uso desmesurado que delas fazemos (a internet e a rápida propagação de notícias e boatos), também são habilmente atacadas. Muito interessante o momento em que os pais das personagens apareciam em cena através de uma webcam, questionando filhos e filhas se continuavam a fazer a peça com judeus, alemães, muçulmanos, protagonizando um claro momento de conflito de gerações sobre estas questões.

As 3 grandes religiões monoteístas estão constantemente na mira das várias personagens, com alguns comentários muitas vezes desconfortáveis. Mas o interessante é que durante quase duas horas a encenadora não toma uma posição. E isso é de louvar, porque difícil de conseguir enquanto seres humanos. Todas as verdades, dos cristãos, judeus ou muçulmanos são válidas. E ser-se ateu? Será uma experiência tão intensa como pertencer-se a uma religião? Não será uma verdade tão válida quanto as outras?

Aos poucos percebemos que há uma quarta força que se impôs no século XX e que galopa para os lugares cimeiros do século XXI. A economia, sobrepondo-se a tudo e todos. Ou será que não? Será que é apenas mais uma “religião”?

É um espectáculo inteligente, urgente, com muito sentido de humor, que nos deixa com um sorriso à saída da sala, mas que se mantém como assunto durante alguns dias.

A peça esteve em cena no Teatro D. Maria II, integrada no Festival de Almada.

De 0 a 10, nota 8.
Publicado na Rua de Baixo.


domingo, 8 de julho de 2012

Enquanto vivermos ou Enquanto vivermos podemos experimentar umas coisas!


“Enquanto vivermos” é um projecto de Pedro Gil, que partilha a criação e interpretação com Romeu Costa.

A acção passa-se em 1976, dois anos depois da revolução de Abril, entre bares, pensões, casas de banho, o palco e o vídeo. Ficcionaram uma realidade de uma geração diferente da sua (nasceram ambos na década de 80). Queriam um espectáculo performativo mas que contasse uma história. Acabou por resultar na história de dois homens, amantes, sem perspectivas de constituir família, com trabalhos, que vivem o dia a dia sem pensar no amanhã, sem qualquer vontade de serem politicamente activos. Há referências ao teatro “Ah Q” de Jean Jourdheuil e Bernard Chartreux, encenado por Luís Miguel Cintra e ao cinema “Império dos Sentidos” de Nagisa Oshima, marcos da década de 70. Há uma explosão de liberdade. Sobretudo de liberdade sexual.

A linguagem é crua e a acção explícita, muito in-yer-face theatre. Não deve ser a isto alheio o facto de ambos terem interpretado Shopping and Fucking de Mark Ravehill (Romeu Costa em duas encenações). Mas este é o primeiro deslize deste projecto: se o in-yer-face theatre era novidade e chocante na década de 90, hoje em dia é repetitivo e desnecessário (para não dizer mesmo aborrecido).

E pouco depois do início os criadores perdem o público (algumas pessoas não se coibiram de sair da sala). Estamos mais preocupados em tentar dar sentido ao que estamos a assistir do que a seguir o espectáculo. Quererão contar uma história? Quererão experimentar novas linguagens? De facto, segundo a folha de sala, Pedro Gil pretendia que este espectáculo estivesse na fronteira entre o teatro, a performance e o cinema. Mas acaba por não trazer nada de novo. Utilizar vídeo para contar parte da história não faz com que seja cinema. Percebo que queiram experimentar, mas talvez fosse interessante que vissem outros espectáculos e percebessem que aquilo que querem fazer como algo de novo e extraordinário é feito há décadas. O facto de o actor sair de cena e a acção continuar no vídeo, supostamente filmado no ensaio geral, não traz qualquer tensão ou relevância entre o que se passa no palco e o que se passa no vídeo. Vários poderiam ser os exemplos de espectáculo que utilizam esse recurso. No fim há uma referência a I.(esboço) de Miguel Loureiro que ambos interpretaram e que terá sido a primeira vez que trabalharam juntos. Mas afinal de contas, qual a relevância desse momento? Será esta peça auto-biográfica? A relação das personagens é afinal a relação entre os actores? Ou é essa a referência à performance que pretendiam trazer ao espectáculo?

O espaço cénico é modesto. Um plástico no chão que delimita a cena, duas cadeiras e alguns adereços que vão sendo utilizados para contar a história (um capacete, várias garrafas de água, dois baldes de água – os intérpretes passam o espectáculo a molharem-se um ao outro -, uma peruca, um par de sapatos de salto). Também pouco ou nada acrescenta à confusão do espectáculo. Por um lado, ainda bem!

Ao fim de duas horas saímos um pouco frustrados. Se a história acaba por se clara, não percebemos no entanto o que Pedro Gil quis com o espectáculo. Acaba por soar a pretensioso, tendo em conta o resultado pobre… É pena.

Ouvem-se alguns comentários aqui e ali: São bons actoresO que foi istoGira a cena em que o Pedro faz de mulherEra um pouco revista, nãoOnde vamos a seguir beber um copo?

Foi o que fiz. Fui beber um copo com os amigos e rapidamente a peça deixou de ser assunto.

O espectáculo é uma co-produção com a Culturgest, integrado no Festival de Almada.

De 0 a 10, nota 5.
Publicado na Rua de Baixo.


quarta-feira, 4 de julho de 2012

Curtas na Ribeira


Curtas 2012, Mostra de Teatro de Curta Duração é organizada pela companhia Primeiros Sintomas. Na primeira semana foram 5 as propostas apresentadas: Preto e Branco de António Mortágua e David Almeida, O Solene Resgate de Ricardo Neves-Neves, Terroristas #3 de Carlos Afonso Pereira, Miss Portugal de Anabela Brígida e Ex-Simbol de Leonor Cabral. Cada peça numa sala diferente, cada peça com uma duração diferente. Todas curtas. Umas mais que as outras.

Preto e Branco divide-se em dois momentos. Um primeiro a abrir as festividades, o segundo quase a fechar… discute-se a beleza da partida de xadrez (os intervenientes deixam escapar que eles gostam é de futebol), a beleza do movimento da partida de xadrez. É uma momento sui generis, que acaba por ser pouco memorável, algo a que assistimos (como diriam os jogadores de xadrez) en passant.

Passamos a O Solene Resgate. São mais os intervenientes do que os espectadores. Um coro, distribuído por cores conta-nos a história de uma princesa desaparecida e dos esforços para a reencontrar. O importante nesta peça é a utilização do coro, do todo, para o resultado final. Ricardo Neves-Neves dirige estes cerca de 30 elementos com um rigor matemático, que resulta numa interpretação harmoniosa, seja no texto dito em uníssono seja nos momentos musicais (aliás, fica na memória a canção final). É um exercício de forma muito bem conseguido (o texto, um tanto ou quanto non sense pouco acrescenta ao espectáculo).

Seguimos para uma sala pequena (diria mesmo pequena demais tendo em conta a quantidade de público). E de um espectáculo a 30 vozes passamos para Terroristas #3 de Carlos Afonso Pereira, um espectáculo a uma só voz, ou melhor, a um só silêncio. O encenador e intérprete optou por projectar as duas histórias (três se contarmos com a referência à Bíblia). O projecto iniciado em 2008 tem por base histórias de “terrorismo pessoal” como razão para o terrorismo global. A tensão criada pelo silêncio na sala é perturbadora. No final somos questionados: Já magoámos alguém ao ponto de nos poderem chamar terrorista? É uma proposta simples mas muito inteligente que dura 11 minutos e 9 segundos (a imagem final que vemos projectada no corpo do intérprete é 11:09, uma clara alusão ao 11 de Setembro).

Saímos em silêncio e dirigimo-nos para Miss Portugal de Anabela Brígida, que nos recebe com um sorriso na penumbra. O texto de André Murraças conta-nos as aventuras e desventuras de uma mulher que sonha com o concurso das Misses. A sua vida é mercada anualmente pelo concurso. Este foi talvez o momento mais teatral desta primeira semana. A encenação (de Anabela Brígida e Joaquim René) é subtil mas eficaz. No início só vemos o sapato da intérprete, que tem uma enorme borboleta, a borboleta que ela certamente quer ser. Pontualmente há disparos de flashes (lançados pela própria actriz) que iluminam poses tradicionais dos desfiles de Misses. Um vestido cor-de-rosa, uma tiara e um pequeno palco de rosas permitem a Anabela Brígida maravilhar-nos durante cerca de 15 minutos. Vai-nos fazendo sorrir e arranca-nos uma ou outra gargalhada. Delicioso e certeiro o momento final em que interpreta um playback de uma canção de uma outra Miss (americana).

Voltamos en passant pelo Preto e Branco e abrem-se as portas da rua para vermos Ex-Simbol de Leonor Cabral. A intérprete e criadora está num carro, à nossa frente. Quer que seja um momento de libertação, qual Thelma & Louise. Alguma imagens interessantes, mas pouco claras que não permite que se siga a peça com muita atenção. Talvez uma peça demasiado abstracta. De realçar, no entanto, a forma elegante com que Leonor lida com os imprevistos (pessoas que passam, o camião do lixo, carros que querem estacionar no seu lugar).

Preto e Branco - de 0 a 10, nota 4
O Solene Resgate - de 0 a 10, nota 7
Terroristas #3 - de 0 a 10, nota 7
Miss Portugal - de 0 a 10, nota 8
Ex-Simbol - de 0 a 10, nota 5
Publicado na Rua de Baixo.



segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Tróia

O teatromosca estreou recentemente a última peça da trilogia que dedicou ao trabalho de John Berger, depois de em 2002 ter apresentado Dog Art.
Com As três vidas de Lucie Cabrol (2010), Europa (2011) e Tróia (2011) a companhia procurou reflectir sobre a existência e a relação entre o mundo rural e o mundo urbano, o confronto entre estas duas realidades e o desaparecimento de uma por consequência da outra, talvez, como o encenador das três peças, Pedro Alves, diz na folha de sala da peça, referindo-se à trilogia “(…) um percurso extraordinariamente rico e simples (nada simplista) daquilo que pode ser tido como uma História do século XX europeu (…)”.

Em Europa, é o sonho que fala mais alto, o sonho da modernização, a ilusão da urbe. Esse sonho, essa ilusão é representada por uma mulher bonita que veio da cidade e que acaba por ser o objecto de desejo e da tragédia de Boris (o protagonista desta história). Actores e figurantes, reunidos à volta de uma mesa celebram o Dia dos Mortos, contam histórias, vivem histórias. A encenação de Pedro Alves é contida mas muito certeira, fruto de um trabalho de dramaturgia que o próprio encenador terá levado a cabo (a tradução do romance Once in Europe e adaptação para teatro é da sua autoria). O cenário de Pedro Silva é a segunda pérola deste espectáculo. Extremamente simples, o cenário mais do que ilustrativo é denunciador de um espaço, de um estado de espírito. Merecia um desenho de luz mais eficaz (da autoria de Carlos Arroja) que aproveitasse e fizesse sobressair o cenário e a encenação. Uma direcção de actores e interpretações mais cuidadas teriam ajudado a acompanhar um texto que salta entre o discurso na primeira pessoa, a narração e o diálogo. A presença da música no espectáculo acaba por ser um fait divers que pouco acrescenta.

Tróia é o resultado da adaptação de Lilac and Flag. A tradução e a adaptação são novamente da autoria do encenador, o que uma vez mais vem reforçar um trabalho de dramaturgia que se conflui com a própria encenação, oferecendo ao espectador uma leitura intensa e inteligente do espectáculo. Em Tróia o rural vê-se engolido pela urbe (por Tróia, essa cidade mítica, ou por Lisboa, Nova Iorque, Paris, Londres, Pequim), perdido, explorado, ansiando pelo regresso a uma realidade distante à qual provavelmente nunca conseguirá voltar. Procurando sobreviver numa existência que não é a sua, que não foi construída para eles, uma realidade que lhes escapa, Zsuzsa e Sucus entregam-se um ao outro, amam-se, destroem-se, reconstroem-se. Notável o trabalho do encenador Pedro Silva que polvilha o espaço com torres de (aparente) metal e vidro, frias, de uma estética impessoal, quase higiénica, que serve a encenação, complementando-a e enriquecendo-a sem se sobrepor. O desenho de luz, também de Carlos Arroja, é mais interessante que em Europa, salientando-se sobretudo na segunda parte do espectáculo. Os actores, Samuel Alves, Ana Gil e Mário Trigo são competentes na proposta que lhes é feita pelo encenador (com maior aplauso aos dois primeiros, com momentos muito bons na relação entre os dois – são eles Sucus e Zsuzsa respectivamente), saltando de registos de discurso directo, narrativo e diálogo. Um trabalho mais centrado na direcção de actores (mais na interpretação e menos na fisicalidade) poderia ter ajudado ao melhor acompanhamento do texto pelos espectadores. Uma nota menos positiva, diria mesmo, negativa para os figurinos. Se já em Europa se notava uma falta de cuidado nesta matéria, acabava por não ser um elemento perturbador, apenas não era relevante (embora de fraco sentido estético). Em Tróia, o figurino “de trazer por casa” impõe-se de uma forma negativa… demasiado forte para ser neutro, mas pouco trabalhado para que nos queira dizer algo… e enquanto procuramos significados de uma t-shirt ou de umas calças perdemos o fio à meada de um texto pouco fácil.


Europa – de 0 a 10, nota 6.
Tróia – de 0 a 10, nota 7.
teatromosca - de 0 a 10, nota 8.
Publicado na Rua de Baixo.

 fotografia Pedro Almeida

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Petra Von Kant e o T0 na Brandoa

Ao entrarmos na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II deparamo-nos com um bloco de madeira em cena. Percebemos que é articulado, que dali irá surgir o cenário. Ficamos curiosos… aos poucos Marlène | Diana Costa e Silva, assistente de Petra Von Kant | Custódia Gallego, vai desmontando o puzzle que é aquele bloco de madeira. Surge uma cama, um estirador, um armário, uma mesa, um banco… e o cenário fica com ar de T0, de uma habitação social algures para os lados da Brandoa, feio e acanhado. As actrizes tropeçam, dão encontrões nos adereços, limitam-se a um espaço mínimo de representação. Poderia funcionar para criar alguma tensão dramática mas…O cenário de Luísa Bebiano em nada retrata o ambiente de alta sociedade em que Petra Von Kant se movimenta (ou deveria movimentar). A originalidade e surpresa inicial do desmembramento do cenário perdem-se a partir do momento em que deixa de servir o espectáculo e passa verdadeiramente a toldá-lo. Na verdade, toda a componente plástica do espectáculo é má. Os figurinos de José António Tenente, em cetins, lantejoulas e transparências, são de um mau gosto indescritível e nada ajudam a elevar o nível social em que as personagens se movimentam (ou, repito, deveriam movimentar-se). As perucas também não ajudam… Passamos da Brandoa para a Damaia. Ninguém acredita que o confronto entre Petra e Karin | Inês Castel-Branco possa também passar por um conflito de classes, uma metáfora para um debate entre a velha e nova Alemanha.
A encenação de António Ferreira nada acrescenta a este texto. Na verdade não teria de o fazer, se se tivesse dedicado a uma boa direcção de actores. Às vezes, bons textos pedem apenas isso, que sejam bem dirigidos e bem interpretados. Sem subterfúgios. Mas ao ver este trabalho duvidamos que o tenha feito. E duvidamos que tenha percebido a peça. Nada na sua encenação é original, limitando-se a organizar entradas e saídas de cena. É penoso ver como as actrizes lutam com o cenário e o encenador a isso as submete. Justiça seja feita a Diana Costa e Silva cuja personagem sombria se movimenta silenciosamente em redor daquele espaço (se calhar teve a sorte de não ter de pular sobre a cama ou entrar para a zona da kitchenet).

E no meio deste desastre queremos que as actrizes salvem o espectáculo. Mas também não o fazem. C. Gallego não nos transmite a classe, a frieza, a arrogância e o drama que a personagem requer, mais preocupada em encontrar a piada e o gag fácil (aliás a sua personagem é digna de qualquer bêbeda numa tasca de Alfama). Inês Castel-Branco passa quase despercebida, nem fascinada pela figura de Petra, nem oportunista, nem anarca. Apenas desfila pelo palco. Sidónia | Paula Mora, amiga de Petra também não ajuda a compor o ramalhete. Os figurinos que a enchouriçam em cetins brilhantes transformam a sua personagem numa mulher vulgar (quase que sentimos, na cena em que apresenta Karin a Petra, que se trata da dona de um bordel a apresentar uma menina a uma cliente). Cláudia Carvalho | Gabriela Von Kant, filha de Petra, apresenta-se num figurino (uma vez mais o figurino!) tão pouco credível para uma filha adolescente, que qualquer esforço de representação que possa fazer é inválido. Restam Diana Costa e Silva, que compõe uma Marlene tensa, masoquista, subserviente, credível e até memorável e Isabel Ruth | Valéria Von Kant, mãe de Petra, cujo porte aristocrático nos transporta finalmente para um ambiente de alta sociedade, arrogante e preconceituoso que esperámos encontrar desde o início da peça (ainda que as botas e lenço leopardo me tenham arrepiado).

É francamente um mau espectáculo. E tendo em conta toda a polémica que rodeou este espectáculo e as trocas de palavras entre um suposto encenador afastado do projecto e o Director do Teatro Nacional, esperávamos encontrar um espectáculo brilhante, que fosse uma chapada de luva branca a todos os que se manifestaram contra a substituição. Mas o Director perdeu ao defender um encenador que transformou uma peça magnífica num momento de teatro constrangedor. Não sei se a outra versão seria melhor. Mas esta, sabemos que é má!

De 0 a 10 é um 2 (1 ponto para a Diana Costa e Silva e outro ponto para a Isabel Ruth).
Publicado na Rua de Baixo.


segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Forgive me but I’m in love with you!

Israel, a nova produção do Teatro Praga, é antes de mais uma provocação. Vamos com uma ideia pré-concebida, o título da peça a isso nos obriga, prontos a discordar e atacar o autor (Pedro Penim) se ele resolver dizer bem de Israel… Ao chegarmos ao Teatro Maria Matos somos recebidos com letras gigantes, iluminadas, na parede envidraçada do teatro, que formam a palavra Israel (estranhamente, a palavra lê-se da esquerda para a direita. Erro de produção ou intenção artística?). Tudo indica que vamos assistir a um hino a um pais que colhe tão poucas simpatias… e somos desarmados. Israel, de P. Penim, é uma declaração de amor. A um território, a uma pessoa, pouco importa. É de amor que se fala, de uma relação. Do que gostamos no outro, do que nos faz sentir bem no outro. E de repente pouco importa se é para alguém ou para um território que P. Penim fala através da webcam. Pouco importa se tudo é ficção ou se tudo é real. Uma vez por outra P. Penim entra no território da disputa “ (…) eu estou a lutar pela ideologia e não pelos factos (…)” e fá-lo de forma inteligente. Sem comprometer, sem comprometer-se. Porque não é para tomar uma posição que ele ali está. É sim para nos dizer que ama. Ama Israel. Com tudo de bom e de mau que o ser amado tem. E com a inevitabilidade do fim…

Israel, composto por 14 estações, tal como a Via Dolorosa, é um dos espectáculos mais generosos do Teatro Praga. Teriam sido dispensáveis alguns faits divers tão característicos do trabalho do Teatro Praga (ainda que alguns tenham funcionado bem e acrescentado algo ao espectáculo, como foi o caso da “máquina de fazer tremer”).

P. Penim (com a colaboração de Catarina Campino) expõe-se e oferece ao espectador 1h30 de emoção pura. Amar é bom. E não há que pedir desculpa por se amar assim.

De 0 a 10, é um emotivo 8.
Publicado na Rua de Baixo.